Acredite no poder do branco

Raquel esperava ansiosamente feliz pela chegada da garota que iria roubar o mais precioso bem que ela tinha. O filho. Fizera aquela macarronada com o molho que, como dizia ele “ninguém sabia fazer igual”. Fez também o estrogonofe que, também segundo seu filho, era o prato preferido da namorada. Acidentalmente deixou cair três colheres a mais de sal no estrogonofe, e talvez uma colher de sabão em pó. Raquel lembrou que deveria avisar a todos para que não comessem o estrogonofe... Lembrou também que se esqueceria de avisar isso para a garota. Acidentalmente, claro!

A mulher de meia idade ouviu o minúsculo poodle latir, só latia daquele jeito quando ele chegava.
- Augusto, meu filho!
A recepção fora maravilhosa, repleta de beijos, abraços, afagos, elogios e conversas calorosas. Durante esse tempo a garota encarava o teto. Alguns minutos passados, Augusto lembrou que havia uma mulher ao seu lado. Logicamente que não era sua mãe, pois Augusto era filho único, e acreditava na castidade de sua mãe, ela não era mulher, era somente sua mãe. Nem Augusto e nem Raquel conheciam Freud.
- Mamãe, essa é Sofia, minha namorada.
- Ah!
Na doentia mente daquela mulher “ah” significava muita coisa. Neste momento caberia “Você é a vaca que quer roubar meu menino?”. Disse isso como se tivesse acabado de reparar que Sofia estava lá, como que surgida de supetão debaixo da pata de fofo (o poodle).

Enquanto os homens conversavam sobre qualquer coisa na sala, Sofia e Raquel conversavam amigavelmente na cozinha.
- Querida, prove um pouco de estrogonofe, sei que você ama.
- Acho melhor esperar os outros.
- É a primeira vez que faço, estou insegura. Prove primeiro.
- Acho melh...
- PROVE!
Sofia provou generosas colheradas do estrogonofe, e fez cara de quem amou.

Todos estavam sentados a mesa quando teatralmente Raquel quebra o silêncio
- PUTZ!
Como se já não fosse suficientemente bizarro uma quase senhora de 50 anos dizendo “putz”, ela continuou:
- Melhor não comer o estrogonofe!
- Porque mamãe?
- Acho que acabei confundindo algum ingrediente.
- Eu não queria dizer nada pra não decepcioná-la senhora, mas o gosto estava estranho.
Sofia tomava grandes goladas de suco para aliviar o gosto de sabão.
- O que você pôs de errado?
- Se eu disser, você vai achar engraçado!
Eles riram.
- Talvez eu tenha colocado um pouquinho de sabão.
Eles pararam de rir.
- COMO VOCÊ PÔDE FAZER ISSO COMIGO
- Mamãe, isso é coisa que se faça?
- Vocês não tem senso de humor?
Eles podiam gritar xingar e chorar, mas já estava feito. O estômago de Sofia ia ficar três vezes mais branco do que com os sabões em pó comuns. Porque ela tinha classe. Usou sabão com alvejante.
Mais do que anteriormente, Sofia se acabava em beber copos de suco.
- Mãe, você não tem vergonha de ter colocado sabão na comida?
- Vergonha do sabão nem tanto... Tenho mais vergonha de ter feito o suco com a água do fofo!
Sofia cuspia.
- Brincadeirinha... Você não tem senso se humor?
Talvez aquilo fosse verdade. Em partes. Raquel só usou água do fofo para o suco de Sofia.
Agora Sofia cuspia fogo.
- Você é uma bruxa velha!
Como numa novela mexicana, Raquel chorava.
- Filinho amado... Viu o que essa-mocinha-aí disse de mamãe?
- Ah mãe, você pediu!
- Velha desgraçada!
- E você não vale nem as colheres de OMO que estão aí dentro
- COLHERES? – uníssono
- VOCÊ DISSE QUE TINHA POSTO UMA!
- Uma, ou duas, ou doze... Que diferença faz?
- OK! Eu ia te dar um tapa... Mas agora vou dar doze, nem faz diferença.
- Hey! Calma aí, você primeiro tem que ficar de molho, depois vai pra centrífuga!
Era uma piada, mas só Raquel riu. Como que um Pokémon em estágio de evolução, Sofia pareceu ganhar o dobro da altura. Voou para cima de Raquel.
- Filinho meu amor. Ela vai me matar!
- É melhor eu fazer isso antes que você me mate!
- CHEGA!
- Eu nem sei seu sobrenome... Nem sei de onde você veio, porque te deixaria com meu bebê?
- Era pra isso que servia o jantar, velha burra! E meu sobrenome é gallo!
- Augustinho meu amor... Quem é a mulher do galo?
- A galinha.
- Achei seu sobrenome bastante adequado!
- Pra mim chega! Augusto, você vem comigo?
- Lógico amor!
Ele se virou a caminho da porta.
- Meu bebê, estou tendo um AVC, eu vejo a luz, seu papai veio me buscar.
Augusto se ajoelhou para acudir, e quando virou a cabeça já era muito tarde, Sofia já havia ido. Raquel estava feliz, era menos uma em sua lista, e seu bebê era só seu novamente.
Raquel acreditava no poder do branco.